Uma dívida de todos

Em recente relatório divulgado previamente à reunião do Fórum Econômico Mundial de Davos22, a Oxfam, organização líder mundial na sistematização e análise de informações sobre distribuição da riqueza globalizada e que assessora a ONU sobre o tema, publica dado

s que revelam claramente que vivemos num mundo profundamente desigual, donde apenas 1% da população mundial acumula 99% da riqueza planetária.

       Isso, se para outra coisa não serve, ajuda explicar a existência de tantos buracos negros no tecido social do mundo, guaridas prediletas do conjunto calamitoso das mazelas sociais – miséria extrema, violência, fome,  consumo de drogas, prostituição, corrupção, impunidade, insegurança, racismo, descrença nos valores éticos, desemprego, etc. – que travam um desenvolvimento contínuo, sustentável e livre de crises, essencial para conservar uma condição de vida que mantenha viva a esperança de um futuro melhor.

     A diretora executiva da organização, Gabriela Bucher, defendeu no Fórum uma tributação anual entre 2% e 5% dos mais ricos, considerada suficiente para solucionar boa parte das necessidades dos menos afortunados. Ideia que, acreditem ou não, recebeu o apoio da maioria das lideranças econômicas presentes que, sabidamente, ocupam os mais altos postos no ranking da riqueza mundial.

      Bem, convenhamos, não foram apenas anseios generalizados de justiça social que motivaram essa posição senão, especialmente, a compreensão dos efeitos nocivos desse fantástico desequilibro nos mercados globalizados e interdependentes.

      Então, quer aceitem ou não, já não existem dúvidas para as grandes corporações – e os fabulosos interesses que acobertam – que uma riqueza melhor distribuída gera negócios muito vantajosos, apoiados em mercados consumidores em constante evolução.  Ou, em outras palavras: O crescimento das camadas mais pobres gera uma demanda muito importante para sustentar o desenvolvimento, notadamente nos países ricos que podem aproveitar melhor novas oportunidades. Claro, isso significa mais negócios. E mais lucros!

     “A polêmica mudança na distribuição de riqueza é hoje um dos tópicos mais discutidos no mundo”, diz o relatório, citando o economista francês Thomas Piketty, autor de O Capital no Século 21, que analisa o fato de os mais ricos acumularem fortunas mais rapidamente do que o avanço da atividade econômica, signo evidente de concentração de riqueza e aumento da desigualdade social. 

       Joseph Stiglitz,  Premio Nobel de Economia, palestrante em Davos22, afirmou: “Desde os anos 80, o capitalismo foi fortemente desregulado ao estilo americano, logo imitado pelos demais países ricos. Na verdade, a promoção dessa ideologia trouxe bem-estar material para os ricos do mundo, enquanto os demais viram sua renda estagnar ou  diminuir ano após  ano.

     O Dr. Amartya Sen, famoso economista e filosofo indiano, renomado analista dos desequilíbrios sociais – seu livro Pobreza e Fome é um clássico imperdível – insiste em lembrar uma simples equação para resumir o impacto econômico e social dessa ocorrência, deixando de lado, por um momento, aspectos humanitários e fazendo abstração à dor e ao sofrimento: “A pessoa com fome não produz, mal sobrevive, é um paria social e um fardo econômico que tem que ser carregado pelo resto da sociedade. É, em soma, um freio ao desenvolvimento natural das coisas. Por outra parte, a pessoa alimentada, sem fome, é um agente econômico fundamental, produz riqueza, depende de seu próprio esforço para sobreviver e sustentar sua família. É um elo essencial na engrenagem que move o progresso da nação”.

     Apenas como registro, vale a pena lembrar que em 21 de setembro de 2011 aconteceu um fato inimaginável que estremeceu Wall Street, a rua-símbolo do sistema liberal&capitalista, quando milhares de manifestantes, num movimento espontâneo, ocuparam a famosa rua para protestar contra as injustiças do modelo econômico&financeiro, aos gritos de “o dia inteiro, a semana inteira, fechar Wall Street”. (All day, all week, shut down Wall Street).

 O movimento, que se estendeu brevemente pelas principais cidades dos EUA e da Europa, foi apenas um clamor a mais nascido das incongruências do sistema de produzir e distribuir riqueza no mundo globalizado, onde poucos, continuamente, acumulavam a maior parte dos benefícios do progresso.

       Ainda assim, para efeitos práticos, não foi mais que outro clamor que o vento levou.

     Quem sabe, numa reviravolta histórica e atropelados por essa cruel injustiça, as lideranças planetárias concordem que tem chegado o momento de dar início a uma mudança no modo de fazer e de distribuir riqueza nesse Século XXI.

      Para começar, seria possível tentar mudar para algo próximo à recomendação da ONU para uma economia sustentável, que é “aquela que resulta na melhoria do bem-estar humano e da igualdade social ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica. Sustenta-se sobre três pilares: é pouco intensiva em carbono; é eficiente no uso dos recursos naturais; é socialmente inclusiva”.     Muitos pensam que pode ser um primeiro passo para humanizar o planeta!

Por Miguel Sainún Nozar, economista, escritor e mentor, com uma visão especial sobre o papel do empresário na construção do futuro.